PEC 06/2019 – GOVERNO JAIR BOLSONARO
Por Herbert Alencar 1

Uma proposta de reforma da Previdência Social, foi encaminhada pelo governo Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional, sob a alegação de déficit nas contas da Previdência. A Proposta de Emenda à Constituição sugerida pelo Executivo foi protocolada na Câmara como PEC 06/2019.

A referida Reforma impactará sobremaneira na vida de mais de 35 milhões de brasileiros, pois muda radicalmente a forma de obtenção e concessão dos benefícios previdenciários, benefícios estes, que possuem caráter alimentar e são verdadeiros instrumentos de distribuição de renda.

Lamenta-se inicialmente que o momento histórico pelo qual passa a sociedade brasileira é muito preocupante, com a grande crise entre as instituições; a onda de prisões de políticos por conta da atuação da operação Lava Jato, levando ao total descrédito da classe política; do enfrentamento pelos Estados brasileiros de suas crises financeiras, em especial o Estado do Rio de Janeiro; dentre outros entraves com reflexos diretos na economia e para toda a sociedade.

Portanto, um momento histórico nada favorável para as grandes mudanças na estrutura de concessão dos benefícios previdenciários.

Percebe-se também que a referida reforma parte de forma unilateral do novo governo, de forma atribulada e com uma urgência sem justificativa efetiva, sem consulta à sociedade brasileira e sem participação das entidades que representam os aposentados e pensionistas, pois foi o seu texto elaborado por uma equipe multiministerial do governo Bolsonaro.

Quanto ao suposto déficit nas contas da Previdência, percebe-se que a opinião é bem diversa, sendo a grande mídia a responsável pela divulgação do suposto déficit, entretanto, não é esse o entendimento de diversos especialistas e Instituições tais como a ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, que de forma bem resumida atribui a esse desequilíbrio a políticas governamentais, como por exemplo, as exageradas concessões e isenções fiscais a determinadas empresas e seguimentos do mercado, sem qualquer contrapartida em benefícios para a sociedade e para o mercado.

Os estudos da ANFIP apontam também que a Seguridade Social, historicamente, é superavitária e não deficitária, demonstra que nos anos de 2013 houve superávit de mais de 76 bilhões, no ano de 2014 mais de 53 bilhões e no ano de 2015 mais de 23 bilhões2.

O orçamento da Seguridade Social, engloba a Previdência, a assistência social e a saúde, conforme preceitua o art. 165, § 5º, III da Constituição Federal, portanto, devem ser consideradas todos os gastos com benefícios, inclusive com pessoal, custeio dos ministérios e com a dívida dos três setores: Saúde, Assistência Social e Previdência, conforme bem esclarece a nobre pesquisadora e professora de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Lobato Gentil em sua tese de doutorado.

Adverte ainda a ANFIP, que a Previdência Social beneficia cerca de 90 milhões de pessoas direta e indiretamente. Somente, em 2015, a Previdência (urbana e rural) beneficiou diretamente quase 30 milhões de famílias ou cerca de 90 milhões de pessoas (considerando uma família com três membros). Sem a Previdência, mais de 70% dos idosos estariam na pobreza extrema2.

Basicamente são dez os benefícios oferecidos no Regime Geral de Previdência Social – RGPS, são eles: I – quanto ao segurado: 1) aposentadoria por invalidez; 2) aposentadoria por idade; 3) aposentadoria por tempo de contribuição; 4) aposentadoria especial; 5) auxílio-doença; 6) salário-família; 7) salário-maternidade; 8) auxílio-acidente; II – quanto ao dependente: 9) pensão por morte; 10) auxílio-reclusão.

Os benefícios de salário-família, salário-maternidade e auxílio-acidente não foram diretamente afetados pela proposta de reforma.

Já os demais benefícios foram radicalmente afetados, tanto na forma de obtenção quanto na concessão. Além de fixar uma idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e 62 para mulheres, as novas regras, se aprovadas, irão atingir trabalhadores dos setores público e privado.

Os chamados benefícios programáveis: aposentadoria por idade, aposentadoria especial são os que mais sofrerão modificações, caso a proposta seja aprovada, a aposentadoria por tempo de contribuição será extinta, existindo somente na regra de transição.

Basicamente as alterações mais impactantes serão as seguintes: Na Aposentadoria por Idade eleva-se a idade mínima 65 (sessenta e cinco) anos para homens e 62 (sessenta e dois) anos para mulheres, além de elevação do tempo mínimo de contribuição dos atuais 15 (quinze) anos para 20 (vinte) anos de contribuição mínima.

A aposentadoria Rural eleva-se a idade mínima atualmente das mulheres de 55 (cinquenta e cinco) para 60 (sessenta anos) mantendo-se a idade mínima dos homens aos 60 (sessenta anos), além da elevação do tempo mínimo de contribuição rural dos atuais 15 (quinze) anos para 20 (vinte) anos de contribuição mínima.

Já, na Pensão por Morte, a proposta incluirá uma revisão das regras de cálculo que passará a ter um cômputo para a sua composição, não mais os 100% da renda deixada pelo instituidor, mas sim iniciando com 50% da renda do instituidor, mais o percentual de 10% por cada dependente deixado pelo instituidor falecido.

E ainda, há a extinção da reversibilidade das cotas aos dependentes que perderem essa condição (perda da qualidade de dependente), quer seja por atingirem a maioridade previdenciária aos 21 anos de idade (artigo 16 da lei 8.213/91), quer seja pelo óbito do dependente.

O que nos deixa mais preocupado é que a Pensão por morte poderá ser concedida com o valor abaixo do salário mínimo, contrariando a regra constitucional que define que nenhum benefício previdenciário poderá ser concedido em valor inferior ao salário mínimo, conforme define o § 2ºdo art. 201, da Constituição Federal.

Outra observação importante é a regra que limita a acumulação de benefícios. Atualmente é permitida a acumulação de benefícios, por exemplo, a percepção de uma Pensão por Morte com uma Aposentadoria, entretanto, a proposta estabelece uma regra de acumulação que permitirá o recebimento de 100% (cem por cento) do benefício de maior valor mais a soma de um percentual do segundo benefício que poderá variar de 20% (vinte por cento) a 80% (oitenta por cento) do segundo benefício, dependendo de seu valor nominal.

Apenas as acumulações de aposentadorias previstas em lei não serão alvo de limitação, por exemplo, aposentadorias de médicos, cargos técnicos e de professores pois são cargos acumuláveis e permitidos pela Constituição Federal.

Como se sabe a viúva para se aposentar tem de obrigatoriamente contribuir para o INSS, da mesma forma que o Instituidor falecido também contribuiu, ou seja, benefícios com fonte de custeio distintas, não podem ser acumulados? Incrível, não? Mas essa é a proposta.

Por fim, criou-se na proposta de Reforma a possibilidade de garantir aos segurados que já estão próximos a obtenção de seu benefício de aposentadoria, não serem atingidos diretamente pelas novas regras propostas, a chamada Regras de Transição.

A Proposta traz 03 (três) regras de transição para a Aposentadoria por Tempo de Contribuição, que com a reforma será extinta.

Pela primeira regra de transição, será a soma do tempo de contribuição com a idade que em obediência a uma escala de pontuação que iniciará em 2019 com 86 pontos para mulher e 96 pontos para os homens, exigindo-se a cada dois anos, um ponto a mais chegando no ano de 2033, 100 (cem) pontos para as mulheres e 105 (cento e cinco) para os homens, sem exigência de idade mínima.

Já a segunda regra de transição funcionará da mesma forma, quer seja, soma da idade mais o tempo de contribuição, mas com a exigência de uma idade mínima começando em 2019 com 56 (cinquenta e seis) anos de idade para mulheres e 61 (sessenta e um) anos de idade, obedecendo-se uma escala progressiva na idade até o ano de 2031 com a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos para os homens e 62 (sessenta e dois) anos de idade para as mulheres.

A terceira regra é para a aposentadoria por Idade que iniciará para os homens aos 65 (sessenta e cinco) anos e para as mulheres uma escala progressiva que se iniciará em 2019 aos 60 (sessenta anos) e chegará aos 62 (sessenta e dois anos) no ano de 2023, com o aumento progressivo também do tempo mínimo de contribuição dos atuais 15 (quinze) anos para já em 2023 passar a ser o tempo mínimo de contribuição de 20 (vinte) anos.

A fórmula de cálculo dos benefícios também será radicalmente afetada, dos atuais 100% (cem por cento) da média das contribuições, passará para 60% (sessenta por cento) mais 2% por ano de contribuição que exceder 20 (vinte) anos já contribuídos, ou seja, somente atingirá o percentual de 100% (cem por cento) após 40 (quarenta) anos de efetiva contribuição.

A proposta traz ainda, como forma de aumento de arrecadação, uma alíquota progressiva das contribuições, propondo uma forma de arrecadar mais de quem ganha mais, mas esse item é bem polêmico e necessita de maiores detalhes para sua efetiva implantação.

Diferente da proposta do governo interino de Michel Temer, a proposta do presidente Bolsonaro também propõe regras de combate às fraudes, transparência nas contas públicas, com o fim da Desvinculação das Receitas da União – DRU, que atualmente retira 30% (trinta por cento) das Receitas da Seguridade Social.

Propõe ainda medidas de combate aos sonegadores e grandes devedores com o fortalecimento da cobrança da dívida ativa, medidas essas que não foram apresentadas na PEC 287.

O que se pretende com esses apontamentos não é, de verdade, esgotar a análise da proposta de Reforma da Previdência, mas apenas introduzir uma breve análise, pois não se abordou aqui todos os aspectos introduzidos pela proposta.

A sociedade brasileira precisa saber dessa pretensão do atual governo em retirar direitos já consagrados na constituição, direitos esses que são de caráter alimentar e como já dito, responsáveis pela melhor distribuição de renda dos trabalhadores brasileiros.

Por fim, reitero aqui que mudanças desse nível e com a abrangência que ela terá, deveria ser amplamente discutida com a sociedade e com toda a classe trabalhadora, pois são os maiores interessados nessas mudanças.

Rio de Janeiro, 04 de abril de 2019.

HERBERT ALENCAR

Advogado Especializado em Direito Previdenciário e Trabalhista

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